Acórdão: Apelação Cível 2000.010226-1, de Blumenau.
Relator: Des. Ricardo Fontes.
Data da decisão: 15.12.2005.
Publicação: DJSC n. 11.834, edição de 31.01.2006, p. 24.
Juiz(a) : Newton Janke
Apte/Apdo : Annelise Mischur
Advogados : Julia Mercedes Cury Figueiredo e outro
Apelado : Ernestino Vicente Moricone Trindade
Advogado : Omero Araújo de Freitas
Apdo/Apte : Aurelio Barros Santana
Advogado : José Luiz Ribeiro de Carvalho
Interessado: Vilmar Massaneiro
DECISÃO: por votação unânime, negar provimento aos recursos, mantendo-se na íntegra a decisão de primeiro grau. Custas de lei.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO - CHEQUES - ENDOSSO PÓSTUMO - EFEITOS DA CESSÃO DE CRÉDITO - ART. 27 DA LEI N. 7.357/96 - POSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES ARRAIGADAS EM VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO ENTRE O EMITENTE DA CÁRTULA E O BENEFICIÁRIO ORIGINÁRIO - INTELIGÊNCIA DO ART. 294 DO ATUAL CC (ART. 1.072 DO CC/16) - INEXIGIBILIDADE DAS CÁRTULAS COMPROVADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS DESPROVIDOS.
É facultado ao devedor, levando-se em conta que o endosso póstumo produz os mesmos efeitos da cessão de crédito (art. 27 da Lei n. 7.357, de 02.09.96), opor ao portador do cheque as exceções pessoais arraigadas nas relações havidas com o beneficiário original, a teor do estabelecido no art. 294 do atual CC (art. 1.072 do CC/16).
Restando demonstrado nos autos que o negócio jurídico que ensejou a emissão das cártulas não se concretizou, aproveitando-se, com isso, o portador inicial, em flagrante atitude de má-fé, para repassá-los a um terceiro, é porque se mostra acertada a decisão que julgou procedentes os embargos opostos à execução, bem como a ação declaratória de inexistência de obrigação cambial
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2000.010226-1, da Comarca de Blumenau (2ª Vara Cível), em que são apelantes Annelise Mischur e outro, sendo apelado Ernestino Vicente Moricone Trindade e outro:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, negar provimento aos recursos, mantendo-se na íntegra a decisão de primeiro grau.
Custas de lei.
I RELATÓRIO
Na Comarca de Blumenau, perante o Juízo da 2ª Vara Cível, Ernestino Vicente Moricone Trindade ajuizou ação ordinária (autos n. 00896004922-6) contra Aurélio Barros Santana e Vilmar Massaneiro objetivando declarar a inexistência de obrigação cambial representada por 3 (três) cheques de sua emissão, quais sejam, os de n. 1100, n. 1108 e n. 1127.
Alegou, em síntese, que: (a) no final do ano de 1994, quando exercia a função de síndico da massa falida da empresa Majú Indústria Têxtil Ltda., foi procurado por Aurélio Barros Santana, o qual se apresentou como "pai-de-santo" e ofereceu-se a prestar ajuda espiritual, a fim de auxiliá-lo na venda da empresa e nos negócios em geral; (b) naquela ocasião, Aurélio Barros Santana informou, ainda, que prestava ajuda espiritual a vários empresários da região recebendo, em troca, donativos em mercadorias ou espécie, os quais destinavam-se à entidade assistencial que mantinha na cidade de Jequié, no Estado da Bahia, na qual, aliás, era um respeitado "pai-de-santo"; (c) apesar de não acreditar nas soluções espirituais prometidas por Aurélio Barros Santana, viu-se compelido a proporcionar-lhe uma pequena contribuição financeira, o que motivou o "pai-de-santo" a visitá-lo freqüentemente; (d) na data de 24.01.96, Aurélio Barros Santana ofertou-lhe uma importação de corantes reativos por preço inferior ao de mercado, prometendo sua entrega, mediante emissão de nota fiscal para o dia 15.02.96, o que ensejou, em razão da insistência do primeiro requerido, a emissão do cheque de n. 1100, no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais); (e) em 31.01.96, Aurélio Barros Santana ofereceu-lhe uma quantidade maior do aludido produto, ocasião em que logrou receber o cheque de n. 1108, no importe de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) e outro no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), este último para a cobertura de suas despesas; (f) no dia 07.02.96, o requerido Aurélio Barros Santana procurou-lhe para trocar o cheque de n. 1108, no montante de 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) por outro no valor de 13.300,00 (treze mil e trezentos reais) (n. 1127), oportunidade em que recebeu, ainda, um cheque no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) para a cobertura de suas despesas; (g) apesar da troca, o cheque substituído continuou em poder de Aurélio Barros Santana, o qual prometeu restitui-lo posteriormente; (h) o requerido não lhe devolveu o cheque de n. 1108, tampouco entregou-lhe as mercadorias, motivo pelo qual sustou junto ao banco sacado o pagamento dos 3 (três) cheques emitidos; (i) em 04.03.96, Aurélio Barros Santana procurou-lhe novamente e, lamentando o insucesso da negociação dos corantes, informou-lhe que os cheques em questão haviam sido inutilizados, aduzindo, ainda, que haviam feito um "trabalho" contra o autor e que se utilizaria de seus poderes espirituais para desfazê-lo; (j) para livrar-se do requerido, concordou em pagar-lhe a quantia de R$ 1.250,00 (mil duzentos e cinqüenta reais); (l) na data de 22.03.96 houve uma tentativa de desconto dos cheques de n. 1100, n. 1108 e n. 1127, os quais supunha estarem inutilizados; (m) no dia 26.03.96, foi procurado pelo requerido Vilmar Massaneiro, o qual exigiu o adimplemento das cártulas, sustentando que havia vendido um automóvel para Aurélio Barros Santana e que as tinha recebido como pagamento; e (n) apresentou queixa-crime contra Aurélio Barros Santana e Vilmar Massaneiro.
Postulou, ao final, que fosse declarada a inexigibilidade da obrigação cambiária representada pelos cheques em questão.
Contestando o feito (fls. 40/45 dos autos n. 896004922-6), o requerido Vilmar Massaneiro sustentou, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam, eis que as cártulas já se encontram na posse de terceiro. No mérito alegou, em resumo, que: (a) o autor entregou os cheques a Aurélio Barros Santana em pagamento de comissão pela intermediação da venda da empresa Majú à empresa Marisol; (b) vendeu um automóvel a Aurélio Barros Santana e recebeu as cártulas como forma de pagamento; e (c) não houve conluio entre os requeridos.
O requerido Aurélio Barros Santana, por sua vez, apresentou contestação às fls. 54/55 (autos n. 008.96.004922-6) alegando, em preliminar, a inépcia da inicial e, no mérito, limitou-se a afirmar ser infundado o relato da inicial.
Durante a instrução da ação ordinária, Annelise Mischur intentou ação de execução (processo n. 008.96.005957-4) contra Ernestino Vicente Moricone Trindade aduzindo, em síntese, ser credora deste da quantia de R$ 37.757,50 (trinta e sete mil setecentos e cinqüenta e sete reais cinqüenta centavos), decorrente do não-pagamento dos cheques de n. 1100, n. 1127 e n. 1108.
O executado Ernestino Vicente Moricone Trindade, em momento oportuno, opôs embargos à execução (ap. cív. n. 2000.010226-1), alegando que: (a) as cártulas foram repassadas à exeqüente diante das providências judiciais e extrajudiciais adotadas contra Aurélio Barros Santana e Vilmar Massaneiro; (b) a embargada não é possuidora de boa-fé, eis que apenas representa seu marido, conhecido por sua atuação no ramo da agiotagem; e (c) apresentou queixa-crime contra Aurélio Barros Santana e Vilmar Massaneiro.
Postulou, ao final, a extinção da actio executiva, com a condenação da exeqüente nos encargos processuais.
Impugnação aos embargos às fls. 36/42.
Em audiência de fls. 64/74, inexitosa a conciliação, procedeu-se à oitiva dos litigantes e à inquirição das testemunhas arroladas.
Às fls. 106/115 (processo n. 2000.010226-1), o MM. Juiz de Direito apreciou as lides, desta forma: "Pelo exposto: a) julgo procedente o pedido formulado nos autos nº 008.96.004922.6 declaro a inexigibilidade da obrigação cambial representada pelos três cheques emitidos pelo autor Ernestino Vicente Moricone Trindade em favo de Aurélio Barros Santana e endossados em favor do requerido Vilmar Massaneiro, condenando os suplicados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor corrigido dos títulos; b) julgo procedentes os Embargos opostos por Ernestino Vicente Moricone Trindade contra Annelise Mischur e, em conseqüência, julgo extinto o processo de execução nº 008.96.005957-4, condenando a exeqüente-embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor corrigido da execução."
Às fls. 117/120 (autos n. 2000.010226-1), Annelise Mischur interpôs recurso de apelação, aduzindo, em resumo, que: (a) o decisum baseou-se em provas frágeis, eis que fundamentado em depoimentos de testemunhas que não presenciaram a transação comercial de compra e venda dos corantes reativos; (b) ao contrário do sustentado pelo Magistrado a quo, a intermediação de Aurélio Barros Santana na venda da empresa Majú à Marisol não se deu no plano comercial, mas apenas espiritual; e (c) é necessária, para a desconstituição dos cheques objeto da lide, a produção de prova robusta, o que, in casu, não ocorreu.
Pleiteou, por fim, o provimento do reclamo, a fim de que fosse modificada a sentença de primeiro grau.
O requerido Aurélio Barros Santana, por sua vez, interpôs recurso de apelação às fls. 124/128 (autos n. 2000.010226-1), alegando que: (a) a crença e o misticismo não são apanágio dos pobres e humildes; (b) não restou comprovado que a transação havida com Ernestino Vicente Moricone Trindade tinha como objeto a compra e venda de corantes reativos, ao invés de trabalhos espirituais; e (c) o apelado confessou, assim como o MM. Juiz a quo reconheceu na decisão recorrida, que o primeiro cheque destinou-se a pagar um "trabalho" realizado pelo "pai de santo", razão pela qual não existem motivos para duvidar-se que as outras cártulas tiveram a mesma finalidade.
Postulou, ao final, a reforma do decisum impugnado.
Contra-razões às fls. 151/156 (processo n. 2000.010226-1).
É o relatório necessário.
II VOTO
Trata-se, como dito, de embargos opostos por Ernestino Vicente Moricone Trindade contra a execução intentada por Annelise Mischur, a qual busca a satisfação da quantia de R$ 37.757,50 (trinta e sete mil setecentos e cinqüenta e sete reais cinqüenta centavos), acrescida de encargos, decorrente do não-pagamento dos cheques de n. 1100, n. 1127 e n. 1108.
Devidamente processado e instruído, ao feito mencionado foi proferida sentença (fls. 106/115), cuja parte dispositiva contou com a seguinte redação: "Pelo exposto: a) julgo procedente o pedido formulado nos autos nº 008.96.004922.6 declaro a inexigibilidade da obrigação cambial representada pelos três cheques emitidos pelo autor Ernestino Vicente Moricone Trindade em favo de Aurélio Barros Santana e endossados em favor do requerido Vilmar Massaneiro, condenando os suplicados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor corrigido dos títulos; b) julgo procedentes os Embargos opostos por Ernestino Vicente Moricone Trindade contra Annelise Mischur e, em conseqüência, julgo extinto o processo de execução nº 008.96.005957-4, condenando a exeqüente-embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor corrigido da execução."
Irresignados, Annelise Mischur e Aurélio Barros Santana interpuseram recursos de apelação às fls. 117/120 e 124/128, respectivamente.
Em que pesem os argumentos suscitados pelos recorrentes, tem-se que a decisão a quo há de ser mantida por seus próprios fundamentos.
Vejamos:
No tocante à causa debendi, o emitente dos cheques em questão (n. 1100, n. 1108 e n. 1127), Sr. Ernestino Vicente Moricone Trindade repisou, quando da oposição dos embargos, os argumentos expendidos na ação declaratória de n. 008.96.004922-6 (autos em apenso) que havia intentado anteriormente contra Aurélio Barros Santana e Vilmar Massaneiro, quais sejam: (a) na data de 24.01.96, Aurélio Barros Santana ofertou-lhe uma importação de corantes reativos por preço inferior ao de mercado, prometendo sua entrega, mediante emissão de nota fiscal para o dia 15.02.96, o que ensejou, em razão da insistência do primeiro requerido, a emissão do cheque de n. 1100, no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais); (b) em 31.01.96, Aurélio Barros Santana ofereceu-lhe uma quantidade maior do aludido produto, ocasião em que logrou receber o cheque de n. 1108, no importe de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) e outro no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), este último para a cobertura de suas despesas; (c) no dia 07.02.96, o requerido Aurélio Barros Santana procurou-lhe para trocar o cheque de n. 1108, no montante de 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) por outro no valor de 13.300,00 (treze mil e trezentos reais) (n. 1127), oportunidade em que recebeu, ainda, um cheque no valor de R$ 200,000 para a cobertura de suas despesas; (d) apesar da troca, o cheque substituído continuou em poder de Aurélio Barros Santana, o qual prometeu restitui-lo posteriormente; (e) o requerido não lhe devolveu o cheque de n. 1108, tampouco entregou-lhe as mercadorias, motivo pelo qual sustou junto ao banco sacado o pagamento dos 3 (três) cheques emitidos; (f) na data de 22.03.96 houve uma tentativa de descontos dos cheques de n. 1100, n. 1108 e n. 1127, os quais supunha estarem inutilizados; e (g) no dia 26.03.96, foi procurado por Vilmar Massaneiro, o qual exigiu o adimplemento das cártulas, sustentando que havia vendido um automóvel para Aurélio Barros Santana e que as tinha recebido como pagamento.
O apelante Aurélio Barros Santana, por sua vez, sustentou que recebeu as cártulas em virtude das intermediações e dos auxílios que teria prestado na venda da empresa Majú à Marisol.
As provas carreadas aos autos, entretanto, são insuficientes para corroborar as assertivas deste último.
O depoimento de Gilberto Prado Floriani, gerente jurídico do grupo Marisol, revela que Aurélio Barros Santana não teve qualquer participação na transação comercial aludida, consoante se infere à fls. 59, in verbis:
"(...) não tem conhecimento sobre a emissão dos cheques de fls. 09 e sequer conhece Aurélio de Barros Santana; (...) que em certa oportunidade o embargante lhe contou que estavam entrando com execução dos cheques alegando que foram dados na intermediação da venda da Majú para a Marisol, no entanto o depoente esclarece que a venda foi feita diretamente, sem qualquer intermediação de terceiros. (...) que tem conhecimento que Aurélio Barros Santana em nenhuma oportunidade entrou em contato com os diretores da Marisol. (...)"
O gerente administrativo e financeiro da empresa Majú à época da mencionada negociação, Sr. Celso Pereira, confirmou, em audiência, as alegações de Gilberto Prado Floriani, nos seguintes termos:
"(...) o controle da empresa Majú foi negociado e transferido para o grupo Marisol da cidade de Jaraguá do Sul; Aurélio Barros Santana não teve nenhuma participação ou interferência nessa transação que foi conduzida e mantida em caráter sigiloso (...) as únicas pessoas que participaram do processo de transferência do controle da empresa Majú foram o presidente da empresa Marisol e seu assesssor jurídico, o ora embargante, na qualidade de síndico, o procurador do ora embargante, Dr. Omero de Freitas, além do próprio depoente. (...) " (depoimento de fls. 80/81).
É válido asseverar, ademais, que ora recorrente Aurélio Barros Santana, em momento algum de sua contestação na ação declaratória de n. 008.96.004922-6 (fls. 54/55), apontou a causa que ensejou a emissão dos cheques sub judice. A versão de que as cártulas foram emitidas em virtude das intermediações e dos auxílios que teria prestado na venda da empresa Majú à Marisol foi apresentada, pela primeira vez, na defesa de Vilmar Massaneiro (fls. 40/45), também demandado naquela actio.
As palavras de Afonso Curbani, embora informante, aliadas aos depoimentos acima transcritos, entretanto, confirmam as alegações de Ernestino Vicente Moricone Trindade no sentido de que os cheques em análise destinaram-se ao pagamento de uma determinada quantidade de corantes reativos a serem retirados de um porto, conforme se observa às fls. 71/72:
"(...) no início de fevereiro do ano passado, o embargante relatou ao depoente que fizera um negócio de compra de mil quilos de corante, por um preço trinta por cento abaixo do mercado, mediante a emissão de dois cheques; o embargante avisou ao depoente que tal mercadoria deveria dar entrada na empresa até o dia 15/02/96; como a mercadoria em questão não foi entregue até esta data, o declarante, a pedido do embargante, entrou em contato com a agência do Bradesco, para saber os procedimentos tendentes à sustação ou cancelamento do pagamento desses cheques; (...) o embargante mencionou que emitira dois cheques destinados ao pagamento da mercadoria mencionada, qual seja, os mil quilos de corentes (...)."
Não se pode falar, outrossim, em impossibilidade de discussão da causa debendi.
Isso porque, consoante bem apontado pelo MM. Juiz a quo, "Se no dia 30/04/96 os cheques ainda estavam em poder de Vilmar Massaneiro, a teor da mensagem de telefax remetida ao emitente, e se, em 17/05/96, ao depor na Polícia, Vilmar declarava ainda estar na posse dos títulos, segue-se que, na verdade, Willy Mischur ou a exeqüente Annelise receberam os cheques sabendo que os mesmos estavam vinculados a um negócio subjacente, conclusão que mais se reforça quando se constata que todos os cheques tinham sido apresentados para desconto em 22/03/96. Assim, apesar de inexistir registro da data do endosso, resta claro que houve o endosso póstumo a permitir a discussão da causa debendi entre a exeqüente e o executado."
É facultado ao devedor, outrossim, levando-se em conta que o endosso póstumo produz os mesmos efeitos da cessão de crédito (art. 27 da Lei n. 7.357, de 02.09.96), opor ao portador do cheque as exceções pessoais arraigadas nas relações havidas com o beneficiário original, a teor do estabelecido no art. 294 do atual CC (art. 1.072 do CC/16), assim redigido:
"Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente."
Desta forma, restando demonstrado nos autos que o negócio jurídico que ensejou a emissão das cártulas não se concretizou, aproveitando-se, com isso, o portador inicial, em flagrante atitude de má-fé, para repassá-los a um terceiro, é porque se mostra acertada a decisão que julgou procedentes os embargos opostos à execução, bem como a ação declaratória de inexistência de obrigação cambial.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em hipóteses análogas, assim se manifestou:
"(...) tratando-se de endosso póstumo, opera-se como cessão de natureza civil, não prevalecendo a autonomia e abstração da natureza cambial." (Ap. Cív. n. 70005128772, Rel.ª. Des.ª Leila Vani Pandolfo Machado, j. em 28.06.05).
"O endosso póstumo produz apenas os efeitos de uma cessão ordinária de crédito. É facultado ao devedor opor exceções pessoais, que este tinha em relação ao endossante. Viável a discussão da origem do débito." (Ap. Cív. n. 70008366577, Rel.ª Des.ª Fabianne Breton Baisch, j. em 25.05.05).
"CHEQUE. ENDOSSO PÓSTUMO. Evidenciando-se que as cártulas chegaram às mãos do exeqüente mediante "endosso póstumo", com efeitos de cessão de credito (art-27 da lei n. 7357/85), impõe-se oportunizar a sacadora (executada) discutir a "causa debendi" (...)." (Ap. Cív. n. 599253630, Rel. Des. Luiz Lúcio Merg, j. em 30.09.99).
"(...) CHEQUE ENDOSSADO APOS A APRESENTACAO, TAMBEM DENOMNADO POSTUMO, NAO SE TRATA DE ENDOSSO CAMBIARIO, MAS DE MERA CESSAO CIVIL, REGULADA PELOS ARTIGOS 1065 A 1078 DO CODIGO CIVIL BRASILEIRO, EX VI DO DISPOSTO NO ART-27 DA LEI N. 7357/85 (...)." (Ap. Cív. n. 197045693, Rel. Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, j. em 26.08.98).
Com essas considerações, deve ser mantida incólume a sentença a quo, inclusive no tocante à fixação dos ônus sucumbenciais.
III DECISÃO
Em face do que foi dito, nega-se provimento aos recursos, mantendo-se na íntegra a decisão de primeiro.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Salim Schead dos Santos.
Florianópolis, 15 de dezembro de 2005.
SALETE SILVA SOMMARIVA
Presidente com voto
RICARDO FONTES
Relator
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